Defensora da profissional inseriu no processo julgamentos que nunca existiram
O uso de IA (inteligência artificial) em um processo na Justiça do Trabalho em São Paulo resultou em condenação por litigância de má-fé, com multa de 5% sobre o valor da causa, a uma trabalhadora que processava o antigo empregador. A ex-empregada pedia R$ 125.466,95. Cabe recurso da decisão.
A condenação foi aplicada pelo TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região) à profissional após sua advogada utilizar julgamentos inventados pela IA, com decisões atribuídas a ministros do TST (Tribunal Superior do Trabalho) e outros órgãos.
Questionada pela Quarta Turma após pesquisa dos juízes para encontrar as ementas citadas na ação, a advogada se defendeu justificando que as alegações no processo foram geradas por IA de forma incorreta e que ela “não se atentou em retirar” os trechos.
As alegações utilizadas pela defensora faziam parte de um recurso apresentado ao TRT-2 após sua cliente perder a ação na primeira instância. A trabalhadora alegava ter sido vítima de práticas abusivas na empresa, assédio moral e ter sido exposta a trabalho insalubre sem a devida proteção.
Com isso, pedia na ação o direito à rescisão indireta —espécie de justa causa do patrão— indenização por dano moral, alegando ter sido humilhada; pagamento de horas extras; e ressarcimento pelo acúmulo de função.
Todos os pedidos foram negados e houve a aplicação da multa de 5% sobre o valor da causa por litigância de má-fé, com base no artigo 793-B da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
O juiz relator do acórdão, João Forte Júnior, afirmou que a advogada que assinou a petição foi quem construiu o conteúdo falso tentando “convencer o julgador de que outros tribunais entendiam da exata forma como alegou em seu recurso”, e cabia a ela fazer a conferência das informações.
“Não é minimamente razoável atribuir culpa à inteligência artificial quando esta depende de comandos de seres humanos (…) A utilização de ferramentas de IA não exime a parte de sua responsabilidade pelo conteúdo apresentado”, disse.
A condenação, no entanto, recaiu sobre a ex-funcionária, porque na Justiça do Trabalho quem responde é a parte.
Segundo a advogada Elisa Alonso, sócia do RCA Advogados, o uso de IA no Judiciário é uma realidade, especialmente em atividades administrativas e de apoio, como triagem de processos, análise de precedentes e gestão processual.
Há, no entanto, regulamentação do tema pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para que órgãos como TST e STF (Supremo Tribunal Federal) façam uso. Na advocacia, a IA vem sendo utilizada como apoio em pesquisas jurídicas e para elaborar petições, mas não há resoluções tratando do tema.
Para ela, o uso de inteligência artificial por advogados exige cautela. O principal risco está na chamada “alucinação” da IA —quando gera informações falsas, como aconteceu no caso julgado.
QUAIS OS RISCOS DO USO DA IA NA JUSTIÇA DO TRABALHO?
“O principal risco está no uso indiscriminado e irresponsável, quando citações ou precedentes falsos são indicados sem conferência nas fontes oficiais, o que leva a distorções graves, levando, inclusive, às condenações por má-fé, conforme já noticiado em casos concretos pelos tribunais”, diz.
A advogada diz que a trabalhadora poderá recorrer ao TST, mas se for confirmada a litigância de má-fé, as penas previstas em lei incluem, além da multa, que pode variar de 1% a 10% sobre o valor corrigido da causa, indenização por eventuais prejuízos causados à parte contrária, além do ressarcimento das despesas e honorários advocatícios da empresa.
Fonte: Jornal Folha de São Paulo
19 de setembro 2025